quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Ao Pipoca e ao Manchinha


Eu teria uns 18 anos quando apareceram lá em casa. Duas bolinhas de pêlo côr de mel que mal subiam um degrau. O Pipoca foi o primeiro e dois dias depois chegou o irmão. Não era suposto ficar connosco, mas uma doença súbita e aqueles olhos de quem já nasceu triste fizeram com que não demorasse muito a percebermos que íamos ficar com os dois. Chamámos-lhe Manchinha. 

Tornaram-se cães ansiosos, enérgicos, de tal forma nervosos que levá-los à rua era uma aventura: tivéssemos 20 ou 90 kg, eram sempre eles a passear-nos a nós que, num instante, parecíamos uns fantoches arrastados pela trela. Um espectáculo digno de se ver. 

O tempo passou e essa energia, ano após ano, foi esmorecendo também. Quase sem me aperceber, feitas as contas, já estavam com quase 20 anos na "idade dos homens". As patas deixaram de saltar, a euforia de ir à rua já tinha desaparecido, praticamente não reagiam ao nome e até a comida deixou de ser disputada, como antigamente.

Tal como com os "homens", hoje também chegou a vossa hora, a tal que Saramago descreveu como "impiedosa porque chega, leva e vai-se".

E é aqui deste sofá, a 300 km de distância, que choro a vossa partida como já não me lembro de chorar. Sei que devem estar a ir buscar-vos a qualquer momento e há um lado de mim que queria trazer-vos para casa e fazer de conta que isto não está a acontecer.

Não tive tempo de me despedir. Parece que é melhor assim. Afinal, foram 20 anos a ter-vos junto a nós... praticamente metade da minha vida. E é como se um bocadinho dela fosse embora esta noite também.

Vinte anos depois, é agora a minha hora de estar triste. Resta-me pensar que vão embora durante um sonho breve e sem dor. Chegou a vez de descansarem. Se vocês também têm direito a um lugar no céu, que não fique muito escondido porque um dia vou querer abraçar-vos e dizer: "Estou aqui, meus amores. Vêem? Não vos abandonei."