terça-feira, 21 de dezembro de 2010

O homem do coração preso


As lágrimas brotavam e de voz embargada e olhar perdido, desabafava a angústia que a consumia. Foram assim alguns dos nossos almoços durante os últimos meses. Ele não a olhava, não perguntava, não acompanhava, era como se não estivesse ali. Passou a ir mais cedo para o escritório e o trabalho parecia ocupá-lo como nunca. Os serões eram passados no computador e nem uma palavra, uma única só palavra sobre a vida que estava a nascer.

Passaram-se 9 meses. Longos, distantes, frios, desesperantes. "Será feitio? Será que não consegue adaptar-se à ideia de ser pai? Dizem que há homens assim... Será que há alguém?". As longas e persistentes dúvidas terminavam sempre na conclusão que parecia mais fácil suportar... "Não, talvez não, afinal ele foi sempre assim... independente, distante, racional... não é pessoa que esteja habituada a partilhar... a morte da mãe, quando era ainda tão pequeno, deve ter contribuído para a dificuldade que tem em expôr sentimentos", argumentávamos, numa tentativa de encontrar algum conforto.  

Num dia frio de Outono, o pequeno R. nasceu e, daquele dia em diante, o J. tornou-se num pai meigo, afectuoso, radiante neste novo papel que parecia assentar-lhe como uma luva. Nada indiciava o pouco interesse e empenho que demonstrara ao longo de tantos meses. Porém, o distanciamento mantinha-se. As longas horas no computador, a fuga à intimidade, a ausência de cumplicidade, as conversas sobre tudo e sobre nada, sobre tudo o que permitisse fugir a um confronto. 

Alguns dias após a primeira festa de aniversário do pequeno R., o J. saiu de casa. Partiu para não mais voltar.

Ao ler estas linhas, é legítimo pormos em causa a sua integridade. Mas a história do J. não começou aqui. Nasceu há muitos anos atrás, num outro país, numa outra realidade onde viveu a maior paixão que alguma vez imaginou existir. Um amor louco, impossível, desenfreado e cego que o fez esperar 6 longos anos, na esperança que um dia aquela mulher seria só dele. O sonho do J. não se realizou e, talvez numa tentativa desesperada de renascer e seguir com a vida, tentou reconstruí-la e ser feliz ao lado de alguém.

Acredito que sejam muito poucos aqueles que imaginam o que é travar uma luta desta natureza. Sei que o J. saiu para, finalmente, viver aquele amor que um dia foi impossível por tanto tempo. Demasiado.

Histórias como esta são provas vivas de que não há força maior e mais poderosa no mundo do que o amor. Não vale a pena contrariá-lo. O J. tentou, mas não conseguiu. A razão, essa é simples: o seu coração estava preso e quando assim é, nada nem ninguém o consegue ocupar.

Boa sorte J. Que sejas feliz desta vez. 

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